Coleção de pedras vivas
“Uma educação pela pedra: por lições; para aprender da pedra, frequentá-la; captar sua voz inenfática, impessoal (pela de dicção ela começa as aulas)”, assim começa o conhecido poema de João Cabral de Mello Neto. Aqui, são nove artistas que decidem frequentar as pedras uns dos outros.
O processo começa em uma residência, na Casa da Escada Colorida, passa por uma impregnação mútua e se desenvolve a partir da feitura de nove cadernos que são trocados, tocados e gerados por todos. Esses cadernos guardam um desejo de correspondência quase anônima e de alguma dissolução de autoria. Os artistas elegem um projeto presente no caderno para elaborarem individualmente, em duplas ou grupo. Em seguida, a partir desses trabalhos produzidos, são elaborados novos gestos, objetos, coisas, sempre em números múltiplos de 9. E é esse processo que encontramos agora na casa, ou melhor, são os rastros, os índices desse exercício de contaminação.
Interessa à essa exposição um certo senso de estadia que faz no outro a sua possibilidade de mundo, um mundo que não se estabiliza na posição de uma pretensa subjetividade, mas que se inaugura pelo lado de fora. Dentro de uma possível genealogia literária acerca da pedra, temos a imagem de Sísifo, condenado a rolar uma pedra eternamente até o cume de uma montanha. Podemos pensar, se quisermos, que a pedra de Sísifo, assim como as nossas, tem a estrutura de um desejo que não se estabiliza, que não cessa de se atualizar. Sísifo tinha em sua pedra a sua questão, a sua pergunta, nós aqui, manejamos as pedras vivas, pedras que não são as nossas, mas que constituem e reposicionam nosso modo de operar. “Enfim, as pedras, voltadas para nós e abrindo as pálpebras, pedras que dizem SIM.”, é o que diz Francis Ponge. E se couber dizer algo mais sobre esta coleção de pedras vivas, retomando o mito, talvez possamos acrescentar “é preciso imaginar Sísifo feliz”.
Bianca Madruga / texto coletivo
COLEÇÃO DE PEDRAS VIVAS
Casa da Escada Colorida, Rio de Janeiro
26 de Março de 2022